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O Clube do Livro - Encontro I – TCC baseada em processos

  • Foto do escritor: Lucas Liberato
    Lucas Liberato
  • há 5 dias
  • 6 min de leitura

Material de apoio do Encontro I


O material abaixo foi desenvolvido por mim como leitura complementar do O Clube do Livro, um projeto que facilito no qual profissionais de saúde mental se reúnem mensalmente para discutir uma obra escolhida coletivamente. No momento, o grupo está dedicado à leitura de TCC baseada em processos, de Steven C. Hayes e Stefan G. Hofmann. Caso tenha interesse em participar do clube, entre em contato conosco.

Nosso próximo encontro será no dia 24/01/2026, sábado, às 10h (horário de Brasília), e discutiremos o trecho entre as páginas 81 e 151. Você é bem-vindo mesmo que não tenha participado antes.



O modelo processual de regulação emocional de James J. Gross

James J. Gross define regulação emocional como os processos por meio dos quais os indivíduos influenciam quais emoções têm, quando essas emoções ocorrem e como são experienciadas e expressas. Essa definição parte da ideia de que as emoções não são apenas reações automáticas, mas fenômenos dinâmicos e moduláveis, que se desenvolvem ao longo do tempo.

No modelo processual, as emoções não são compreendidas como estados fixos, mas como sequências temporais que envolvem a situação, a atenção, a avaliação cognitiva e a resposta emocional. Essa resposta inclui componentes experienciais (o que a pessoa sente), fisiológicos (ativação corporal) e comportamentais (o que a pessoa faz). A emoção pode surgir, se intensificar, se manter ou se transformar conforme esses elementos interagem. Por isso, a regulação emocional pode ocorrer antes, durante ou depois da ativação emocional.

A partir dessa concepção, Gross organiza a regulação emocional em cinco famílias de estratégias, definidas de acordo com o momento do processo emocional em que atuam.

A seleção de situação (situation selection) refere-se à escolha de entrar ou evitar situações com base no impacto emocional esperado. Trata-se de uma forma antecipatória de regulação, como evitar contextos sabidamente estressantes ou buscar ambientes mais previsíveis.

A modificação da situação (situation modification) envolve alterar aspectos da situação já em curso para mudar seu efeito emocional. Exemplos incluem negociar limites, pedir ajuda, reorganizar o ambiente ou encerrar uma interação mais cedo.

O deslocamento da atenção (attentional deployment) diz respeito a como o foco atencional é direcionado dentro da situação. Inclui estratégias como distração, foco seletivo em determinados aspectos, vigilância constante de sinais de ameaça ou atenção deliberada a elementos neutros ou positivos.

A mudança cognitiva (cognitive change) envolve modificar a interpretação ou o significado atribuído à situação emocional. A principal estratégia dessa família é a reavaliação cognitiva (cognitive reappraisal), definida como reinterpretar a situação de modo a alterar seu significado emocional e, consequentemente, a resposta emocional.

A modulação da resposta (response modulation) atua diretamente sobre a emoção já ativada, após seu surgimento. Inclui estratégias como supressão expressiva (expressive suppression, tentativa deliberada de inibir a expressão externa da emoção), controle comportamental, modulação fisiológica voluntária e uso de substâncias com efeito regulatório.

As quatro primeiras famílias são chamadas de estratégias focadas em antecedentes, pois operam antes ou durante a formação da resposta emocional. A modulação da resposta é uma estratégia focada na resposta, pois intervém quando a emoção já está instalada.

Gross também descreve a regulação emocional como um processo funcional em etapas: identificação da necessidade de regular, seleção da estratégia, implementação da estratégia e monitoramento de sua eficácia. Isso reforça a ideia de que a regulação emocional é uma habilidade aprendível e treinável, e não um traço fixo.

A literatura empírica mostra que estratégias diferentes produzem consequências diferentes. A reavaliação cognitiva associa-se, em média, a maior bem-estar psicológico e melhor funcionamento interpessoal. A supressão expressiva, especialmente quando crônica, associa-se a maior ativação fisiológica e pior ajuste emocional. Ainda assim, nenhuma estratégia é intrinsecamente boa ou ruim. O fator central é a flexibilidade regulatória, isto é, a capacidade de variar estratégias conforme o contexto, os objetivos e as demandas situacionais.


Processos psicológicos transdiagnósticos

A noção de processos transdiagnósticos parte da ideia de que diferentes formas de sofrimento psicológico compartilham padrões semelhantes de funcionamento, que atravessam diagnósticos distintos. Em vez de focar exclusivamente em categorias diagnósticas, essa perspectiva busca identificar processos psicológicos que contribuem para a manutenção do sofrimento ao longo do tempo.


Processos cognitivos transdiagnósticos

Entre os processos cognitivos, destaca-se o pensamento repetitivo negativo (repetitive negative thinking), definido como um padrão persistente, recorrente e difícil de interromper de pensamento autorreferente. Ele inclui dois formatos principais:

  • Ruminação, definida como a repetição mental orientada ao passado, frequentemente associada à intensificação de tristeza, culpa e estados depressivos.

  • Preocupação (worry), definida como a repetição mental orientada ao futuro, marcada por antecipações ameaçadoras e muito presente nos quadros ansiosos.

Esse padrão costuma operar junto a outros processos cognitivos relevantes:

  • Vieses atencionais, definidos como a tendência a detectar, priorizar e manter o foco em estímulos percebidos como ameaçadores.

  • Interpretações enviesadas, nas quais situações ambíguas são avaliadas como sinal de perigo, rejeição ou fracasso.

  • Crenças metacognitivas rígidas, isto é, crenças sobre o próprio pensamento, como a ideia de que certos pensamentos são perigosos, inaceitáveis ou precisam ser controlados.

  • Memória seletiva negativa, caracterizada pela maior facilidade de acesso a lembranças negativas em detrimento de experiências neutras ou positivas.


Processos emocionais transdiagnósticos

No domínio emocional, observam-se processos relacionados à forma como as emoções são experienciadas e reguladas:

  • Supressão emocional, definida como a tentativa deliberada de não sentir ou não expressar emoções.

  • Hiperreatividade emocional, caracterizada por respostas emocionais rápidas e intensas a estímulos relativamente pequenos.

  • Baixa tolerância ao afeto desagradável, definida como a vivência de emoções negativas como insuportáveis, levando à esquiva.

  • Rigidez na regulação emocional, entendida como o uso repetitivo das mesmas estratégias regulatórias, independentemente do contexto ou da eficácia.

Também são comuns déficits de reavaliação cognitiva, isto é, dificuldades em reinterpretar eventos de maneira mais flexível.


Processos comportamentais transdiagnósticos

Entre os processos comportamentais, a esquiva experiencial (experiential avoidance) ocupa posição central. Ela é definida como a tentativa persistente de evitar, controlar ou suprimir experiências internas indesejadas, como pensamentos, emoções, sensações corporais ou memórias. Associam-se a ela:

  • Evitamento comportamental, definido como evitar situações externas percebidas como ameaçadoras.

  • Comportamentos de segurança, ações realizadas para prevenir uma ameaça percebida, como checagens ou busca excessiva de garantias.

  • Ciclos de reforçamento negativo, nos quais o alívio imediato obtido pela esquiva aumenta a probabilidade de o comportamento se repetir.

  • Repetições comportamentais rígidas, como rituais, rotinas excessivamente controladas ou padrões fixos de ação.


Processos fisiológicos e neurobiológicos

Do ponto de vista fisiológico, aparecem de forma recorrente:

  • Hipersensibilidade interoceptiva, definida como atenção ampliada e reatividade aumentada a sensações corporais internas.

  • Hiperexcitação autonômica, caracterizada pela ativação persistente do sistema nervoso simpático, com sintomas como taquicardia, sudorese e tensão muscular.

  • Dificuldade de autorregulação fisiológica, entendida como a demora em retornar ao estado basal após situações de estresse.


Processos interpessoais, metacognitivos e linguísticos

No plano interpessoal e narrativo, destacam-se:

  • Hipervigilância social, definida como o monitoramento excessivo de sinais sociais, interpretados como ameaçadores.

  • Esquemas interpessoais rígidos, crenças estáveis e negativas sobre si mesmo, os outros e as relações.

  • Evitamento de intimidade, caracterizado por dificuldade persistente em estabelecer vínculos próximos.

  • Percepção de baixo suporte social, avaliação subjetiva de falta de apoio mesmo quando há redes disponíveis.

Também são centrais os processos metacognitivos e linguísticos:

  • Fusão pensamento-realidade, quando pensamentos são tratados como fatos ou verdades absolutas.

  • Monitoramento autoavaliativo excessivo, marcado por autoobservação rígida e autocrítica constante.

  • Baixa flexibilidade atencional, dificuldade em mover o foco entre estímulos internos e externos.

  • Autocrítica crônica, diálogo interno persistente de desvalorização e ataque a si mesmo.


Macroprocessos transversais

De forma mais ampla, a literatura em Terapia Cognitivo-Comportamental Baseada em Processos descreve macroprocessos psicológicos transversais, isto é, conjuntos de processos que aparecem com elevada frequência em diferentes formas de sofrimento psicológico. Entre os mais citados estão:

  • Esquiva experiencial

  • Pensamento repetitivo negativo

  • Dificuldades de regulação emocional

  • Hiperfocalização em ameaça

  • Supressão emocional e cognitiva

  • Rigidez cognitiva e comportamental

  • Comportamentos de segurança

  • Ciclos de reforçamento negativo

  • Autocrítica crônica

Esses macroprocessos não atuam como causas únicas nem de forma isolada. Eles se organizam em redes dinâmicas e contextualmente sensíveis, cuja relevância clínica depende das funções que passam a cumprir, dos objetivos da pessoa e das condições em que operam.


Conclusão

Este material apresentou dois eixos centrais para a compreensão contemporânea do sofrimento psicológico: o modelo processual de regulação emocional e a perspectiva dos processos psicológicos transdiagnósticos. Ambos oferecem uma alternativa consistente à lógica centrada exclusivamente em categorias diagnósticas, ao deslocar o foco para padrões funcionais, dinâmicos e contextualmente situados de funcionamento humano. Como leitura de apoio à TCC baseada em processos, o objetivo não é esgotar os modelos apresentados, mas oferecer um mapa conceitual que sustente discussões clínicas orientadas por função, flexibilidade e análise de processos.


Referências

Aldao, A., Nolen-Hoeksema, S., & Schweizer, S. (2010). Emotion regulation strategies across psychopathology. Clinical Psychology Review, 30(2), 217–237.

Gross, J. J. (1998). The emerging field of emotion regulation: An integrative review. Review of General Psychology, 2(3), 271–299.

Gross, J. J. (2015). Emotion regulation: Current status and future prospects. Psychological Inquiry, 26(1), 1–26.

Hayes, S. C., Hofmann, S. G., & Ciarrochi, J. (2018). A process-based approach to psychological diagnosis and treatment. Clinical Psychology Review, 66, 30–41.

Hofmann, S. G., & Hayes, S. C. (2019). The future of intervention science: Process-based therapy. Clinical Psychological Science, 7(1), 37–50.

Hofmann, S. G., & Reiss, J. (2023). Terapia cognitivo-comportamental baseada em processos. Porto Alegre: Artmed.

 
 
 

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