top of page
Buscar

Terapia Sexual Baseada em Processos

  • Foto do escritor: Lucas Liberato
    Lucas Liberato
  • 8 de out.
  • 7 min de leitura

Atualizado: 9 de out.

Um novo caminho para cuidar do desejo, do corpo e da mente


Cada vez mais pessoas têm procurado terapia sexual não porque algo “esteja errado”, mas porque sentem que o desejo mudou, ficou distante, confuso ou travado. É comum ouvir frases como: “Meu corpo parece desligado”, “Perco o interesse quando a situação fica íntima”, “Não sinto mais vontade”.

Mas e se, em vez de tentar consertar o corpo e o desejo, buscássemos escutá-lo?

A vergonha em torno da própria sexualidade é uma das marcas mais profundas do sofrimento entre pessoas LGBTQIA+ e outras que vivem à margem das normas do desejo. Desde cedo, muitas aprendem a esconder o que sentem, a conter gestos e a disfarçar afetos para evitar o julgamento e a rejeição. Viver assim, sob o peso constante de precisar se adaptar, deixa marcas. Essas experiências acabam influenciando não só a forma como cada pessoa se vê, mas também como se permite sentir prazer, se relacionar e se expressar sexualmente.

Por isso, quando enfrentam dificuldades nessa área, essas pessoas costumam trazer dores muito específicas, marcadas não apenas pela vergonha e pelo medo, mas também pelos efeitos combinados de gênero, corpo, raça e classe, além de outros aspectos de suas subjetividades que raramente encontram escuta nas abordagens tradicionais da sexologia clínica.

Terapia Sexual - Casal de homens se abraçando e sorrindo

Ao longo dos últimos anos, trabalhando principalmente com pessoas LGBTQIA+ como psicólogo e sexólogo, percebi que, embora os modelos clássicos ofereçam ferramentas valiosas, eles ainda partem de uma visão limitada. São perspectivas centradas em desempenho, função e correção de sintomas, que pouco dialogam com a realidade emocional, relacional e cultural desses pacientes.

Com base na minha formação cognitiva, comecei a explorar novas possibilidades dentro desse campo. Inspirado na literatura da Terapia Cognitiva Baseada em Processos (Hayes & Hofmann, 2021), passei a olhar para os processos que sustentam o funcionamento humano, como atenção, regulação emocional, engajamento, evitação e valores, e a aplicá-los à sexualidade.

A partir dessa perspectiva, a sexualidade deixou de ser vista apenas como um conjunto de problemas a resolver e passou a ser compreendida como um sistema vivo de sentido e regulação, algo que o corpo e a mente produzem o tempo todo, inclusive quando há dor, vergonha ou medo. Mesmo nesses momentos, existe movimento, desejo e tentativa de se reconectar com a própria vitalidade.

Dessa prática clínica criativa e experimental surgiu a Terapia Sexual Baseada em Processos (TSBP), uma abordagem em desenvolvimento, com base cognitiva e uma perspectiva afirmativa da sexualidade. Ela busca integrar ciência e sensibilidade para compreender o desejo, o prazer e o corpo dentro da experiência real de cada pessoa, especialmente daquelas cujas histórias, afetos e modos de viver não cabem nos moldes tradicionais da sexologia.

Nos últimos anos, venho estruturando essa metodologia e aplicando-a nos meus atendimentos, além de formar outros psicólogos para trabalharem com essa lente.


O prazer é uma linguagem

Na TSBP, a sexualidade é compreendida como um processo vivo, que envolve corpo, emoção, imaginação e vínculo. Em vez de perguntar “o que há de errado comigo?”, perguntamos:

“O que está acontecendo comigo e o que isso está tentando me dizer?”

O desejo, o prazer, o toque e a excitação são formas de linguagem que o corpo usa para se conectar, aliviar tensões e expressar vitalidade. O sofrimento sexual, portanto, não é falha. É o momento em que nossos modos de sentir e de se relacionar ficam endurecidos pelo medo, pela vergonha ou pela necessidade de controle.

O papel da terapia é restaurar a fluidez, ajudando corpo, pensamento e afeto a voltarem a conversar entre si.

Em vez de se fixar em sintomas, a TSBP convida cada pessoa a reconhecer os processos que sustentam sua experiência sexual: atenção, regulação emocional, crenças, imaginação, engajamento, valores e contexto. Trabalhar com esses processos é olhar para o que acontece enquanto acontece, na fala, no corpo, no olhar e até no silêncio.

Um dos focos centrais da TSBP é cultivar coerência. Viver a sexualidade de um modo que faça sentido, com prazer, liberdade e presença.


O repertório sexual e os valores sexuais

Cada pessoa constrói ao longo da vida um repertório sexual, que funciona como uma biblioteca do desejo. Esse repertório é formado por experiências, imagens, lembranças, afetos, transgressões e feridas. É nele que o corpo busca referências sobre o que é possível, permitido ou perigoso.

Na Terapia Sexual Baseada em Processos, esse repertório é explorado com curiosidade e cuidado. Ele é visto como uma estrutura dinâmica, organizada em torno dos valores sexuais pessoais e também das marcas deixadas por transgressões e traumas. O terapeuta ajuda o paciente a reconhecer quais conteúdos dessa biblioteca ainda fazem sentido, quais foram impostos e quais precisam ser reescritos.

Cada pessoa tem seus próprios valores sexuais, aquilo que dá sentido ao prazer. Para alguns, é a conexão. Para outros, a intensidade, a ternura, a liberdade ou a entrega. A terapia ajuda a identificar esses valores e a viver de acordo com eles, reconstruindo o repertório sexual de modo mais coerente e vivo.

A TSBP nasceu da prática com pessoas LGBTQIA+ e mantém em sua base uma ética afirmativa. Toda forma de desejo, afeto e prazer pode ser legítima, desde que seja segura, consensual e consciente. Isso inclui corpos, práticas e identidades diversas, sem hierarquia entre elas. Ser afirmativo, aqui, é uma forma de cuidado: reconhecer o outro como alguém que pode existir do seu próprio jeito, sem precisar pedir desculpas por isso.

Terapia Sexual - Casal de mulheres se abraçando

Flexibilidade psicológica e cognitiva

A Terapia Sexual Baseada em Processos parte de uma ideia central da psicologia contemporânea: quanto mais flexíveis somos na forma de pensar, sentir e agir, mais livres nos tornamos para viver de acordo com o que tem sentido para nós.

A flexibilidade psicológica é a capacidade de permanecer em contato com o que se sente, pensa e deseja, sem precisar evitar ou controlar essas experiências a qualquer custo. Ela permite escolher respostas mais coerentes com os próprios valores, em vez de agir por medo, automatismo ou culpa.

A flexibilidade cognitiva, é bastante semelhante, mas podemos diferenciar como a habilidade de perceber e reinterpretar as próprias crenças, abrindo espaço para novas narrativas internas e novas formas de entender o prazer, o corpo e o vínculo.

Aplicadas à sexualidade, essas formas de flexibilidade permitem que o desejo volte a fluir. Quando o corpo e a mente ganham mais liberdade de movimento, o prazer deixa de ser uma cobrança e volta a ser uma experiência de presença. A pessoa pode sentir sem culpa, dizer “sim” e “não” com clareza e abrir-se à intimidade com mais confiança.


Processos psicológicos centrais

Na TSBP, compreendemos sete processos psicológicos centrais que estruturam a forma como cada pessoa experiencia a si mesma, o outro e o mundo: atenção, regulação emocional, imaginação, engajamento, identidade, corpo e contexto.

Esses processos são entendidos como dimensões transversais da experiência humana, e não como universais. Sua expressão depende de fatores culturais, históricos, subjetivos e relacionais.

Inspirados na literatura da Terapia Cognitiva Baseada em Processos (Hayes & Hofmann, 2021), adaptamos e reinterpretamos esses princípios para o campo da sexualidade, compreendendo-os como mecanismos que sustentam a forma como o desejo, o prazer e o corpo se organizam na experiência.

Cada processo tem uma função específica.

Atenção é a capacidade de sustentar presença e percepção sobre o que acontece dentro e fora de si.

Regulação emocional é a habilidade de lidar com emoções intensas sem se desconectar.

Imaginação é o espaço interno onde o desejo ganha forma.

Engajamento é a disposição para estar inteiro no vínculo e sustentar presença nas relações afetivas e eróticas.

Identidade integra o que se é, o que se deseja e o que se pode expressar.

Corpo é linguagem, memória e presença, e não apenas um instrumento do prazer.

Contexto abrange as influências culturais, históricas e relacionais que moldam o prazer e o desejo.


Esses sete processos centrais formam o alicerce da Terapia Sexual Baseada em Processos. São eles que permitem compreender o sofrimento e o prazer como expressões dinâmicas, situadas e sempre em transformação.


Processos sexuais

A partir desses fundamentos, desenvolvemos o conceito de processos sexuais, um conjunto de dez eixos clínicos que representam desdobramentos dos processos centrais para o campo da sexualidade. Trata-se de um conceito inédito, formulado dentro da TSBP para estruturar o trabalho clínico e ampliar o autoconhecimento sexual.

Atenção e presença corporal é a capacidade de direcionar atenção para o corpo e para a experiência sensorial sem se prender a julgamentos, culpa ou comparação.

Regulação afetiva e erótica é o manejo das emoções ligadas ao prazer, ao desejo, à vergonha, ao medo e à intimidade.

Imaginação erótica e simbolização do desejo é a habilidade de criar, sustentar e atualizar imagens internas e significados ligados ao erotismo.

Engajamento relacional é a abertura para o vínculo e para o envolvimento afetivo e corporal com o outro, sustentando presença e troca.

Identidade e coerência sexual é a integração entre quem a pessoa é, o que deseja e como expressa sua sexualidade.

Corpo e interocepção significam percepção e confiança nas sensações corporais, reconhecendo o corpo como sujeito e linguagem.

Valores sexuais pessoais são os princípios e significados que orientam a experiência sexual de cada pessoa, funcionando como bússola ética e emocional.

Contexto e narrativa cultural correspondem às normas, crenças e discursos sociais que moldam o prazer, o gênero e o desejo.

Flexibilidade psicológica sexual é a capacidade de lidar com experiências internas desconfortáveis sem perder contato com o desejo e com os próprios valores.

Autenticidade e expressão criativa indicam liberdade para experimentar, imaginar e expressar o prazer de forma coerente com o self.


Esses dez processos formam um mapa clínico e reflexivo que pode orientar tanto o trabalho terapêutico quanto o processo pessoal de autoconhecimento. Eles não são etapas nem diagnósticos, mas dimensões em movimento que se fortalecem ou se contraem conforme o corpo e o desejo ganham ou perdem liberdade de expressão.


Terapia Sexual Baseada em Processos - Da compreensão à prática

Na TSBP, cada processo é trabalhado de forma personalizada. Não existe protocolo fixo, mas um caminho construído a partir da escuta, do vínculo e da singularidade de quem está em processo.

O trabalho clínico é guiado por recursos e práticas que integram relações, mente e corpo de maneira prática e acessível, sempre respeitando o ritmo e a história de cada pessoa. Entre eles:

Atenção corporal e respiração guiada, para reconectar sensação e presença;escrita reflexiva e imaginação, que ajudam a traduzir o que o corpo sente em linguagem e significado;

Exposição compassiva, utilizada para se reaproximar do prazer após experiências de vergonha, rejeição ou medo;trabalho com valores, transformando o que é importante para cada pessoa em direção concreta de mudança;

Práticas de visualização e autoexpressão criativa, com inspiração em técnicas de arteterapia, para reconstruir o vínculo entre corpo e desejo;

Vínculo terapêutico, reestruturação emocional e cognitiva e co-criação do processo, sustentando o espaço relacional onde novas formas de sentir e significar podem emergir.


A Terapia Sexual Baseada em Processos une ciência e sensibilidade. Parte da compreensão de que o sofrimento não vem do desejo ou das experiências sexuais em si mesmas, mas do momento em que perdemos flexibilidade para vivê-los. O objetivo não é ajustar o corpo ou as práticas a um padrão, e sim retomar o direito de sentir, experimentar, criar e se expressar livremente.

A saúde sexual e o prazer são direitos humanos. Cuidar disso é cuidar de quem você é.


Em nossa clínica, falamos e escutamos sobre saúde mental, prazer e afetos com leveza e sem julgamentos. Vamos conversar?

 
 
 

Posts recentes

Ver tudo
Mil ofensas ao corpo e ao futuro

É difícil construir uma vida da qual não se queira fugir. Eu sei bem disso, pois foi um desafio com o qual lidei durante muito tempo...

 
 
 
Etceteras

Escrito ao som dessa playlist. Hoje, quando acordei, senti o travesseiro frio junto ao meu rosto. No quarto em penumbra, um perfume suave...

 
 
 

Comentários


bottom of page
https://tintim.link/whatsapp/b0633392-4ba5-4856-a23a-5d53873f85b3/185274d3-6f55-4721-b862-818102621459