O evento, realizado de 17 a 19 de outubro de 2024 em Brasília, reuniu profissionais de diversas áreas para discutir temas centrais em torno do uso terapêutico de psicodélicos e da cannabis, políticas públicas e as contribuições ético-políticas desses debates para a saúde mental no Brasil. Além disso, contou com abordagens sobre a importância da cultura e dos povos tradicionais. O que emergiu dessas discussões foi um panorama rico e comprometido com a construção de novos caminhos para o tratamento de transtornos mentais, com atenção especial à inclusão, diversidade e reparação social. Compartilho aqui algumas das minhas percepções sobre o evento.
Dia 1: Abertura e Colóquio de Boas-Vindas
O primeiro dia foi marcado pela Abertura Oficial, com participação de representantes importantes do CFP, CRP, Fiocruz e da Associação Psicodélica do Brasil. Essa sessão destacou a seriedade e o compromisso das instituições envolvidas em impulsionar o diálogo sobre psicodélicos e saúde mental no país. O colóquio de abertura trouxe falas de figuras-chave como Fernanda Jófej Kaingáng, do Museu Nacional dos Povos Indígenas, e Sidarta Ribeiro, da UFRN, que abordaram a relação dos povos indígenas com essas substâncias e a importância de uma perspectiva intercultural. Esses momentos reforçaram a necessidade de diálogo e inclusão dos saberes tradicionais nas práticas terapêuticas e no desenho de políticas públicas.
Dia 2: Marcos Legais, Políticas Públicas e Dimensão Ético-Política
O segundo dia iniciou com a Mesa sobre Marcos Legais e Políticas Públicas, uma discussão essencial que contou com especialistas em direitos humanos, políticas sobre drogas e saúde indígena. Essa mesa abordou a urgência de atualizar os marcos legais para incluir o uso terapêutico de psicodélicos e cannabis, especialmente em contextos onde essas práticas têm o potencial de transformar vidas. A inclusão de vozes como Edinaldo Rodrigues Xukuru trouxe uma perspectiva fundamental sobre como as políticas públicas podem apoiar ou prejudicar os povos indígenas.
A sequência do dia trouxe mesas sobre a dimensão ético-política das psicoterapias com psicodélicos e com cannabis. Essas discussões exploraram como o uso dessas substâncias pode estar alinhado a práticas terapêuticas éticas, destacando a importância de uma abordagem centrada no cuidado com o usuário. Psicólogos e pesquisadores, como Bruno Ramos Gomes, do Chacruna Institute, e Luis Fernando Tófoli, da Unicamp, discutiram as potencialidades e os desafios clínicos do uso dessas substâncias em ambientes terapêuticos.
Os fóruns temáticos foram uma oportunidade para aprofundar os debates em grupos menores, permitindo trocas ricas e específicas sobre marcos legais, a ética no uso de psicodélicos e cannabis e como essas práticas podem ser regulamentadas de forma responsável.
Dia 3: Cultura, Povos Tradicionais e Encerramento
O terceiro dia do evento iniciou com a Mesa sobre Cultura, Povos Tradicionais e Reparação Social. Participaram representantes de diferentes comunidades, como Nita Tuxá, do CFP, e Bunke Inani Huni Kuin, que trouxeram uma compreensão profunda sobre a relação ancestral e espiritual que muitas comunidades têm com os psicodélicos. Esse momento evidenciou a necessidade de uma reparação social para essas comunidades, reconhecendo seus saberes e os impactos negativos da marginalização e da falta de regulamentação de práticas tradicionais. A mesa reforçou que o processo de regulamentação deve respeitar e incorporar as tradições culturais dos povos originários.
Os fóruns temáticos seguintes se dividiram entre discussões sobre políticas públicas, cultura e a ética do uso de psicodélicos e cannabis em psicoterapia, proporcionando uma visão integrada dos desafios e oportunidades dessas práticas no cenário nacional.
A Mesa de Encerramento trouxe reflexões finais com vozes como a de Luciana Boiteux, vereadora do Rio de Janeiro, e de Pedro Paulo Bicalho, presidente do CFP, que reforçaram o compromisso da área de saúde mental com a luta por direitos e pela inclusão das práticas psicodélicas em um sistema de saúde mais amplo e acessível. O encerramento foi uma celebração do caminho trilhado e da abertura de portas para futuras pesquisas, regulamentações e práticas terapêuticas.
Este evento foi um marco no diálogo entre profissionais, acadêmicos e lideranças culturais sobre o futuro dos psicodélicos e da cannabis na psicoterapia e na saúde pública no Brasil. Ele reafirmou a importância de um modelo inclusivo e ético, que valorize tanto as evidências científicas quanto os saberes tradicionais. Entre os principais aprendizados estão a necessidade urgente de reformulação dos marcos legais, a importância de uma abordagem ética que coloque o bem-estar dos pacientes e usuários no centro, e a valorização do conhecimento ancestral como parte integral do processo de regulamentação.
Em um contexto de tantas discussões relevantes, saímos deste evento com uma visão ampliada e com a esperança de um futuro em que o uso terapêutico de psicodélicos e cannabis possa ser uma prática segura, regulamentada e acessível, contribuindo para uma saúde mental mais holística e inclusiva.
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